1- As cotas são inconstitucionais?
R. Não. Desde a Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata em Durban (África do Sul), em setembro de 2001, a rejeição ao racismo ganhou força normativa dentro do Direito brasileiro. De acordo com o professor da Faculdade de Direito da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, não há mais controvérsia sobre a constitucionalidade das ações afirmativas. Para ele, a política não pode ser considerada contrária ao princípio da igualdade, já que tem por objetivo remediar situações desvantajosas, ainda que impliquem tratamento favorável a um grupo social. Outra prerrogativa é autonomia universitária assegurada pela Constituição brasileira. Isso dá à instituição a liberdade de adotar regras próprias nas áreas administrativa e acadêmica. E, o mais importante: a Lei garante que a igualdade só pode se dar com a eqüidade (real equivalência de condições) – isto é: não basta dizer que todos são iguais e têm os mesmos direitos, é preciso dar condições reais para que as pessoas exerçam essa igualdade e vivam seus direitos.
R. A intenção é de ampliar ao máximo as chances dos candidatos negros e da escola pública e, ao mesmo tempo, selecionar os melhores de cada categoria, para que ninguém possa dizer que o Sistema de Cotas diminuiu o nível de excelência da UEL. É preciso lembrar que esse alto nível representa uma grande vantagem na disputa, depois de formado, para o profissional que busca se inserir no mercado de trabalho.
R. Sim, se entendermos por discriminação diferenciação, mas sem o sentido negativo em que se aplica a palavra – trata-se do que chamamos de uma discriminação positiva, como é o caso de construir rampas para os cadeirantes chegarem a um andar de cima ou criarmos mecanismos para proteger as crianças do assédio dos pedófilos. Nesse sentido, toda a ação social é a construção de um equilibro de discriminações positivas.
4- As cotas não contribuem para aumentar a discriminação?
R. Não, o que elas podem fazer é obrigar os racistas a se manifestarem. O que é ótimo, pois o racismo oculto por detrás de palavras bonitas, é o pior de todos, o que mais fere e o mais difícil de combater.
A presença de estudantes ou de professores negros em universidades onde, antes, eles não existiam, pode provocar estranhamento ou raiva – o estranhamento será logo superado pela clara constatação que pessoas diferentes são apenas isso: pessoas diferentes; a raiva pode acontecer pelo racismo ou pela competição; em ambos os casos, ninguém pode mandar na opinião de ninguém, mas, também, ninguém pode usar sua opinião pessoal para prejudicar ou desrespeitar quem quer que seja.
5- As cotas são uma entrada pela “porta dos fundos” da UEL?
R. De forma alguma. O cotista da escola pública ou o negro fazem exatamente a mesma prova e não recebem nenhum bônus na avaliação. A única coisa que acontece é que a competição se dá entre iguais, no interior das categorias, para evitar injustiças que têm sua origem nas desigualdades sócio-econômicas e, não, no mérito. Mas mesmo esta divisão por categorias é articulada com o sistema de migração para que haja a certeza de estarmos dando a melhor chance aos melhores de cada categoria. É importante que o cotista perceba que ele teve de provar sua capacidade para entrar na UEL, como todos os candidatos e que a Universidade espera que ele continue a provar essa capacidade no curso que escolher, para que se forme como o melhor profissional possível. Que ninguém está lhe fazendo um favor: que ele está exercendo um direito legítimo. A responsabilidade social e simbólica do aluno cotista é muito grande, depende muito do seu orgulho, do seu posicionamento crítico e competente que as crianças e jovens das periferias brasileiras comecem a ver, na Universidade, um espaço que é delas também.
6- Então por que outros grupos étnicos não recebem cotas?
Em cada lugar, em cada país, grupos diferentes precisam de cotas. No Brasil, em função dos 400 anos de escravidão e de nunca ter havido nenhum apoio à população negra para que ela tivesse acesso regular e de qualidade à moradia, saúde, educação e trabalho, esta população ficou relegada à periferia das cidades, tornando difícil ou quase impossível, a ascensão social das novas gerações. Todos os indicadores sociais mostram que, mesmo nas condições de maior pobreza e carência, os jovens negros são os mais vulneráveis à violência, ao desemprego, à doença e à morte. Os outros grupos étnicos são muito menores e, mesmo que tenham enfrentado grandes dificuldades no seu processo de adaptação na sociedade brasileiro, não foram, nem de longe, tão maltratados e destroçados como os negros. Mas os indígenas, que também foram dizimados no processo da ocupação de suas terras, também recebem Ações Afirmativas.
R. No Brasil – diferente dos Estados Unidos – “negro é quem negro parece” e “preto rico, branco é; branco pobre vira preto”, portanto existe uma dupla classificação: de aparência e de classe social. A miscigenação, os “pardos” e/ou “mulatos”, certamente, fazem com que as classificações sejam, por vezes, confusas (cabelos alisados, pele mais clara, ou outros fatores), mas o negro, com as feições marcadas pela sua herança genética sofre uma discriminação (disfarçada ou não) nos ambientes sociais que o relacionam, automaticamente, com qualificações negativas: bandido, marginal, pivete, prostituta e outros “desclassificados” sociais. Quando ele se apresenta como “doutor” ou mostra que tem posses, imediatamente é retirado da categoria de negro-preto e se torna “moreno”. Isto é muito complicado, até porque o racismo vem sempre camuflado pela negativa (no Brasil, ninguém é racista) ou pelo cuidado “natural”. Os movimentos de consciência negra, os antropólogos, sociólogos, historiadores, dizem que “preto” é cor; negro é consciência. Negro(a) é aquele(a) que assume a sua diferença como positiva e não busca se enquadrar nos padrões estéticos ou nos preconceitos da sociedade brasileira; aquele(a) que tem orgulho de sua ancestralidade africana, que tem orgulho da força dos seus antepassados e das suas raízes culturais. Ser preto é um acaso; ser negro é uma escolha e uma posição ética. Mas tudo isso é, certamente, muito complexo (e doído, também) por isso, a importância do acompanhamento dos jovens que entram pelo sistema de cotas.
8- Como é feito esse acompanhamento? Existem bolsas para ajudar esses estudantes cotistas que, na sua maioria, vêm de famílias muito pobres?
R. O acompanhamento é feito através de ações que buscam inserir os jovens (não apenas os cotistas) nos projetos de Ensino, Pesquisa e Extensão que contam muito no currículo do estudante e, muitos desses projetos, oferecem algumas bolsas, de valor variado, aos seus participantes. O NEAA (Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos), na UEL, tem uma área de concentração em Estudos Afro-Brasileiros que desenvolve uma série de atividades para acolher o aluno cotista ou quem esteja interessado nessa linha de trabalho. As bolsas na UEL – e em nenhuma Universidade – não são suficientes para todos os que precisam, donde a necessidade de uma dolorosa seleção. A Fundação Araucária oferece bolsas para alunos da Escola Pública e, algumas, para alunos negros. Os programa Afroatitude e Uniafro, vindos do Governo Federal, estão parados, por enquanto, mas existe ume esforço muito grande para buscar sua reativação de algum modo. Mas, sem dúvida, a escassez de bolsas de apoio e permanência, é o ponto mais fraco do Sistema de Cotas.
9- Existem outros “pontos fracos” no Sistema de Cotas da UEL?
R. Sim, como o sistema é proporcional ao número de alunos inscritos, para que tenhamos o sistema funcionando plenamente, incluindo todos os alunos que queiram e que se mostrem capazes de freqüentar a Universidade, é preciso que se estimule a inscrição dos alunos no Sistema de Cotas. É preciso que os jovens negros e os da escola pública percebam que o Sistema de Cotas é um direito é só vai funcionar plenamente, se eles acreditarem e investirem nele. O outro “ponto fraco” é de cunho mais abrangente: a melhoria da escola pública. Quanto melhor for a escola pública, menos necessário será o Sistema de Cotas, é verdade – mas precisamos formar uma nova geração de jovens intelectuais, “antenados” com as necessidades sociais e dispostos a intervir no sistema público de educação, oferecendo cursos de formação, preparando material didático inovador, se tornando professores capazes de transformar a realidade da escola, do colégio, dos bairros e da cidade – este é, na verdade, o objetivo principal do Sistema de Cotas: formar essa geração e construir um Brasil para todos.
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