22 de janeiro de 2011

NÃO COMEMOS BATATAS FRITAS BARATAS E NEM EUCALIPTO !!!

Referência Bibliográfica:
APPLE, Michael W. Consumindo o outro: branquidade, educação e batatas fritas baratas. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.). Escola básica na virada do século: cultura, política e educação. São Paulo: Cortez, 1996. p.25-43.


A história abaixo foi contada por uma ex-aluna do autor Michael Apple, em uma viagem realizada pelo país asiático.


      " Ainda assim é crucial ouvir a história. Escutem-na.
    
          O governo da nação decidiu que a importação do capital estrangeiro é crítica para sua própria sobrevivência. Trazer americanos, alemães, britânicos, japoneses e outros investidores e fábricas claramente criará empregos, criará capital para investimentos e tornará a nação capaz de ingressar rapidamente no século XXI. (trata-se, evidentemente, de uma "conversa" dos grupos dominantes, mas vamos supor que eles acreditem, realmente, nisso). Um dos modos pelos quais o governo, dominado pelos militares, planejou fazer isso constituiu em colocar parte de seus esforços de recrutamento no agri-business. Na busca deste objetivo, o governo ofereceu vastas extensões de terra aos interesses internacionais na área de agri-business, a muito baixo custo. De particular importância para a planície que atravessávamos era o fato de muito desta terra havia sido oferecida a um fornecedor de uma grande empresa americana de restaurantes de fast food pra plantar batatas, para fazer as fritas do restaurante, uma das marcas registradas de seu grande sucesso por todo o mundo. 
          A empresa estava ansiosa para aproveitar a oportunidade de transferir parte de sua produção de batatas dos Estados Unidos para a Ásia. Como muitos dos trabalhadores rurais dos Estados Unidos estão agora sindicalizados e estão (corretamente) exigindo salários razoáveis, e uma vez que o governo daquela nação asiática desaprova oficialmente sindicatos de qualquer tipo, o custo de plantar batatas seria bem menor. Além disso, a terra naquela planície era perfeita para o uso de tecnologias recentemente desenvolvidas pra o plantio e a colheita de batatas com um número consideravelmente menor de trabalhadores. Máquinas substituiriam seres humanos. Finalmente, o governo estava muito menos preocupado com leis sobre proteção do meio ambiente. Tudo considerado, este era um bom negócio para o emprego do capital. 
          Obviamente, pessoas viviam em parte desta terra e cultivavam para seu próprio sustento e para vender o excedente , depois que suas próprias necessidades - relativamente mínimas - eram satisfeitas. Isto não deteve nem os interessados no agri-business nem o governo. Afinal, o povo poderia ser removido para dar lugar ao "progresso". 
          E, afinal, os camponeses ao longo daquelas planícies não tinha realmente os documentos de posse daquela terra (eles haviam vivido ali talvez por centenas de anos, bem antes da invenção dos bancos, das hipotecas e das escrituras - sem papel não há propriedade). Não seria difícil remover o povo da planície para outras áreas para deixá-la "livre" para a produção intensiva de batatas e para "criar empregos", retirando sustento de milhares e milhares de pequenos agricultores, na região. Escutei com redobrada atenção, à medida que o resto da história ia se desdobrando, e que passávamos por campos (com as placas da referida empresa) e vilas abandonadas. O povo, cuja terra havia sido tomada por tão pouco, mudara-se, naturalmente.  Assim como em tantos outros lugares similares, nos países que os grupos dominantes chamam de Terceiro Mundo, eles migraram para cidade. Tomaram suas magras posses e se mudaram para as favelas, sempre em expansão dentro e ao redor do único lugar que oferecia alguma esperança de encontrar suficiente trabalho remunerado (se todos, incluindo as crianças trabalhassem) para que pudessem sobreviver. 
          O governo e os segmentos importantes da elite empresarial oficialmente desencorajavam isto, contratando, por vezes, bandidos para queimar as cidades miseráveis, outras vezes, mantendo as condições tão adversas que ninguém "gostaria" de morar ali. Mas, ainda assim, os despossuídos vinham, às dezenas de milhares. 
          Afinal as pessoas pobres não são irracionais. A perda de terra arável tinha que ser compensada de alguma forma e se isso implicava ser empilhado em lugares que eram infernais, bem, quais eram as outras alternativas? Havia fábricas, sendo construídas nas e em torno das cidades, que pagavam salários incrivelmente baixos (algumas vezes menos do que o suficiente para comprar o alimento necessário para repor as calorias gastas pelos/as trabalhadores/as no processo de produção), mas ao menos poderia haver trabalho remunerado, se o sujeito tivesse sorte. 
          Assim, máquinas gigantes colhiam as batatas e as pessoas se transferiam para as cidades e o capital internacional ficou feliz. Não é uma bonita história.  Mas o que ela tem a ver com a educação? Minha amiga continuou minha educação. 
          O governo dominado pelos militares deu a todas essas grandes empresas internacionais vinte anos de isenção de impostos para facilitar as condições de sua vinda para o país. Assim, há hoje muito pouco dinheiro para fornecer saúde, moradia, suprimento de água, eletricidade, serviço de esgoto e escolas para milhares e milhares de pessoas que buscaram o seu futuro na cidade ou foram literalmente empurrados para ela. O mecanismo para não oferecer esses serviços era realmente inteligente. Tomemos a falta de qualquer instituição de educação formal como um exemplo. Para que o governo construísse escolas deveria ser mostrado que havia uma "legítima" necessidade para a realização desse gasto. Estatísticas tinham que ser produzidas numa forma que fossem oficialmente aceita. Isto poderia ser feito apenas através da determinação oficial de números de nascimentos registrados. Entretanto, o próprio processo de registro oficial tornava impossível a milhares de crianças serem reconhecidas como realmente existentes. 
          Para realizar a matrícula na escola, a mãe/o pai tinha que registrar o nascimento da criança no hospital local ou nalguma instituição do governo - nenhum dos quais existiam nessa área de favelas. E mesmo que tal instituição pudesse ser encontrada, o governo oficialmente desencorajava as pessoas vindas de fora da região da cidade de mudar-se para ali. Freqüentemente, recusava-se a reconhecer a legitimidade da mudança, como uma maneira de impedir os/as agricultores/as desalojados/as de virem para as áreas urbanas, aumentando, assim, a população. Nascimentos de pessoas que não tinham o direito "legítimo" de ali estar não contavam, de fato, como nascimentos. Esta é uma brilhante estratégia pela qual o Estado cria categorias de legitimação que definem problemas sociais de modos muito interessantes (veja, p. ex., Curtis, 1992 e Fraser, 1989). Foucault teria ficado orgulhoso, estou certo.
          Assim, não haviam escolas, nem professores, nem hospitais, nem infra-estrutura. As causas profundas dessa situação não estão na situação imediata. Elas só podem ser esclarecidas se nos centrarmos na cadeia de formação do capital (internacional e nacionalmente), nas necessidades contraditórias do Estado, nas relações de classe e nas relações entre campo e cidade que organizam e desorganizam aquele país. 
          Já fazia um bom tempo que minha amiga e eu estávamos rodando. Eu me esquecera do calor. A frase final da narrativa não é nada bombástica. Foi dita devagar e calmamente, dita de um modo que a tornou ainda mais imperiosa. 'Michael, esses campos são a razão pela qual não existem escolas na minha cidade. Não há escolas porque há tantas pessoas que gostam de batatas fritas baratas' ". (APPLE, 1996, p.27-31).  



          Essa realidade não é isolada, no Brasil essas empresas transnacionais também matam pessoas inocentes, machucam fisicamente e mentalmente os trabalhadores rurais, mulheres e crianças.
          Ao ler esse capítulo me lembrei no vídeo "Não comemos eucalipto", assim como a história acima não é ficção, o vídeo abaixo também não é...... 
          Essa é  a realidade brasileira que a mídia esconde:




  



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