9 de fevereiro de 2011

Definição de AFRICANIDADE!



A expressão africanidades brasileiras refere-se às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de outra forma, queremos nos reportar ao modo de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros e, de outro lado, às marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia.
Possivelmente, alguns pensem: Realmente, é verdade o que vem de ser dito, pois todos nós comemos feijoada, cantamos e dançamos samba e alguns freqüentamos academia de capoeira. E isto, sem dúvidas, é influência africana. De fato o é, mas há que completar o pensamento, vislumbrando os múltiplos significados que impregnam cada uma destas manifestações. Feijoada, samba, capoeira resultaram de criações dos africanos que vieram escravizados para o Brasil e de seus descendentes e representam formas encontradas para sobreviver, para expressar um jeito de construir a vida, de sentila, de vivê-la. Assim, uma receita de feijoada, de vatapá ou de qualquer outro prato contém mais do que a combinação de ingredientes: é o retrato de busca de soluções para manutenção da vida física, de lembrança dos sabores da terra de origem. A capoeira , hoje um jogo que promove o equilíbrio do corpo e do espírito pelo seu cultivo, nasceu como instrumento de combate, de defesa.
Africanidades brasileiras, pois, ultrapassam o dado ou o evento material, como um prato de sarapatel, uma apresentação de rap. Elas se constituem nos processos que geraram tais dados e eventos, hoje incorporados pela sociedade brasileira. Elas se constituem também dos valores que motivaram tais processos e deles resultaram. Então, estudar Africanidades Brasileiras significa estudar um jeito de ver a vida, o mundo, o trabalho, de conviver e lutar por sua dignidade, próprio dos descendentes de africanos que, ao participar da construção da nação brasileira, vão deixando nos outros grupos étnicos com que convivem suas influências, e, ao mesmo tempo, recebem e incorporam as daqueles.
Com que finalidades estudar Africanidades Brasileiras?
Muitas são as finalidades por que devemos incluir Africanidades Brasileiras no currículo escolar. Por exemplo:
• ensinar e aprender como os descendentes de africanos vêm, nos mais de quinhentos anos de Brasil, construindo suas vidas e suas histórias, no interior do seu grupo étnico e no convívio com outros grupos;
• conhecer e aprender a respeitar as expressões culturais negras que compõem a história e a vida de nosso país, mas, no entanto, são pouco valorizadas;
• compreender e respeitar diferentes modos de ser, viver, conviver e pensar;
• discutir as relações étnicas, no Brasil, e analisar a perversidade da assim designada democracia racial;
• refazer concepções relativas à população negra, forjadas com base em preconceitos.
Propondo encaminhamentos
Schenetzier dá-nos importantes indicações. A aprendizagem, diz ela, consiste em reorganização e desenvolvimento das concepções dos alunos; implica, pois, mudança conceitual. Embora referindo-se a conhecimentos prévios em Química, a afirmativa da autora também diz respeito à aprendizagem em todas as outras áreas do conhecimento. Calcule-se o valor desse entendimento quando são tratados conteúdos pouco valorizados pela sociedade,quando, ao ensiná-los, pretende-se apagar preconceitos, corrigir idéias, atitudes forjadas com base nas destruidoras ideologias do racismo, do branqueamento. Schenetzier, citando Andersen, pondera que ensinar implica, entre outras coisas, busca de estratégias úteis para proceder à mudança conceitual. Para tanto, os professores deveriam:
• buscar conhecer as concepções prévias de seus alunos a respeito do estudado, ouvindo-os falar sobre elas;
• ajudar os alunos a compreender que ninguém constrói sozinho as concepções a respeito de fatos, fenômenos, pessoas; que as concepções resultam do que ouvimos outras pessoas dizerem, resultam também de nossas observações e estudos;
• lançar desafios para que seus alunos ampliem e/ou reformulem suas concepções prévias, incentivando-os a pesquisar, debater, trocar idéias, argumentando com idéias e dados;
• incentivar a observação da vida cotidiana, observações no contexto da sala de aula, a elaboração de conclusões, a comparação entre concepções construídas tanto a partir do senso comum como a partir do estudo sistemático.
Em se tratando de Africanidades Brasileiras, é preciso acrescentar que:
• de acordo com Silva, deveriam combater os próprios preconceitos, os gestos de discriminação tão fortemente enraizados na personalidade dos brasileiros, desejando sinceramente superar sua ignorância relativamente à história e à cultura dos brasileiros descendentes de africanos;
• organizar seus planos de trabalho, as atividades para seus alunos, tendo presente o ensinamento de Lopes de que na cultura de origem africana só tem totalmente sentido o que for aprendido pela ação, isto é, se, no ato de aprender, o aprendiz executar tarefas que o levem a pôr a mão na massa, sempre informado e apoiado pelos mais experientes. Dizendo de outra maneira, aprender-se realmente o que se vive e muito pouco sobre o que se ouve falar.

Africanidades Brasileiras: uma nova área de conhecimento?
Não necessariamente. Estudos já realizados apontam para uma área interdisciplinar, melhor dizendo, todas as áreas do conhecimento a compõem, desde que abordadas sem perder a perspectiva da cultura e da história dos povos africanos ou deles descendentes.
As Africanidades Brasileiras, no que diz respeito ao processo ensino-aprendizagem, conduzem a uma pedagogia anti-racista, cujos princípios são:
- respeito, entendido não como mera tolerância, mas como diálogo em que seres humanos diferentes miram-se uns aos outros, sem sentimentos de superioridade ou de inferioridade;
- reconstrução do discurso pedagógico, no sentido de que a escola venha a participar do processo de resistência dos grupos e classes postos à margem, bem como contribuir para a afirmação da sua identidade e da sua cidadania;
- estudo da recriação das diferentes raízes da cultura brasileira, que nos encontros e desencontros de umas com as outras se fizeram e hoje não são mais gêge, nagô, bantu, portuguesa, japonesa, italiana, alemã, mas brasileira de origem africana, européia, asiática.
As Africanidades Brasileiras abrangem diferentes aspectos, não precisam, por isso, constituir-se numa única área, pois podem estar presentes em conteúdos e metodologias, nas diferentes áreas de conhecimento constitutivas do currículo escolar.

Texto escrito por: PETRONILHA BEATRIZ GONÇALVES E SILVA
Membro do Conselho Nacional de Educação.
Doutora em Educação.
Professora do Centro de Educação e Ciências Humanas da
Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP.
E-mail: petronilha@power.ufscar.br

Mais informações acesse: Revista do professor.



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