Carta ao presidente da ACIL - Londrina/PR.
Causa espécie a entrevista do presidente da Associação Comercial e Industrial de Londrina (ACIL), Nivaldo Benvenho, dada à Rádio Paiquerê AM, sobre o feriado de 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra.
Em ostensivo tom de indignação, o dirigente da ACIL exorta a todos os “lobistas” que fizeram campanha em prol da aprovação do feriado a arregaçarem as mangas e mostrarem serviço, pois o dia 20 não pode passar “em branco”; os eventos, na concepção de Nivaldo, devem contrapesar os “prejuízos que causará ao comércio local”: “Espero que as pessoas que organizaram o feriado, que fizeram o lobby, que fizeram pressão pela aprovação da lei façam atividade que justifiquem o feriado e que não seja simplesmente um dia para as pessoas ficarem em casa ou irem para suas chácaras ou sumirem da cidade sem nem saber porque estão de folga", afirmou Benvenho à Rádio. "Cabe ao movimento da Consciência Negra fazer valer esse dia promovendo eventos que envolvam toda a cidade", arrematou o presidente da ACIL.
A essa injunção, nada amistosa, do senhor Nivaldo, cabem, a título de esclarecimento, duas importantes ressalvas:
1) por ser o primeiro feriado do estado do Paraná e pela magnitude do papel e significado do Quilombo de Palmares para a história do Brasil, foi estabelecida, neste ano de 2010, uma programação de largo espectro para celebrar a passagem do 20 de novembro na cidade. Em um ato de reconhecimento dessa conquista, instituições públicas, setores expressivos da sociedade civil, ativistas do movimento negro e de mulheres, professores, estudantes da Universidade Estadual de Londrina, educadores sociais, autoridades religiosas, deram início deste setembro a um conjunto de atividades de caráter celebrativo/festivo(shows culturais, exposições de arte, mostra de cinema em todas as regiões da cidade [lembramos que a abertura da mostra contou com a presença do cineasta Jeferson De, premiado como melhor diretor no Festival de Gramado]) e formativo (palestras, mesas-redondas, discussão sobre a importância das políticas de cotas na UEL, oficinas e palestras em escolas públicas, colóquio internacional com o sacerdote e porta-voz do rei do Benin, Noudelede Bernard Adijboudoun, conferência com a procuradora federal da República, Dora Bertúlio, a ser realizada no dia 19 de novembro). Todas essas ações contaram com a presença de diversos setores da sociedade, tais como o NEAA (Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos), o projeto Leafro (Laboratório de Cultura e Estudos Afro-Brasileiros) do departamento de Ciências Humanas, o Coletivo Pró-Cotas (formado por estudantes), todos ligados à UEL, a Gestão de Promoção da Igualdade Racial (GPIR), o Conselho de Promoção da Igualdade Racial (CMPIR), a APP Sindicato, a Associação de Ogãs e outros voluntários.
A realização desses eventos não é motivada pela relação custo/benefício, com vistas a compensar o prejuízo que o comércio irá sofrer, mas pela urgência política e imperativo ético de assinalar o heroísmo de um líder que não lutou apenas pela emancipação e liberdade da população negra, mas que almejou consolidar a construção de um país assentado nos ideais de democracia e igualdade. É válido notar que a consagração do Dia da Consciência Negra é um exercício de reconhecimento de importantes fatias da nossa história que foram soterradas pela história oficial.
Portanto, ao aderir ao feriado, junto com mais de 350 cidades brasileiras (a exemplo de São Paulo, Porto Alegre, Salvador), Londrina alcança maior estatura, mostra que desenvolvimento não está apenas relacionado a avanços econômicos, mas significa, acima de tudo, a salvaguarda do patrimônio político e cultural que lhe confere dinamismo. A instituição do feriado do Dia Nacional da Consciência Negra realoca, em justiça e dignidade, todos os herdeiros de Zumbi, espalhados nas parcelas significativas da população Londrina.
Lamentamos profundamente o desconhecimento do presidente da ACIl em relação aos eventos acima referidos, já que foram e estão sendo ampla e exaustivamente divulgados na imprensa local, ganharam destaque nos principais jornais da cidade, tiveram repercussão importante no município. Lamentamos, ainda, o fato de a ACIL não protagonizar nenhum evento destinado ao Dia da Consciência Negra, nenhuma homenagem desencadeada por essa importante instituição surgiu no horizonte do possível. Nenhum cartaz, outdoor ou congênere, subscrito pelos lojistas, foi erguido na paisagem da cidade;
2) Embora o 20 de novembro esteja diretamente associado à intervenção política, nada impede que os munícipes façam desse dia o que querem e bem entendem. A decisão pelo feriado, antes de convocar as pessoas para a discussão política, presta reverência ao Quilombo de Palmares e a suas principais lideranças. Afinal de contas, não é assim, com interrupção de um dia de trabalho, que nossos heróis nacionais e acontecimentos de relevância histórica são rememorados em nosso país? Não representa os feriados uma ação simbólica que evoca o legado daqueles que merecem ser lembrados/honrados/homenageados/festejados?
À guisa de lembrança, um sem número de feriados povoa o nosso calendário. Excetuando algumas datas religiosas, que mobilizam milhares de devotos(as) para as romarias e procissões, a maioria deles não congrega as pessoas em eventos públicos. Poderíamos, assim, puxar pela memória: quais as intervenções políticas populares realizadas nos feriados do 21 de abril, 15 de novembro, 7 de setembro, entre outras datas? Por que para o feriado do dia 20 se impõe a obrigatoriedade de ser “fazer alguma coisa para compensar o prejuízo”?
Apesar das inúmeras possibilidades que um feriado proporciona para as pessoas, reforçamos, senhor Nivaldo, que certamente o Dia Nacional da Consciência Negra não está passando “em branco”; todas as atividades até agora empreendidas tiveram significativa repercussão para Londrina repensar-se enquanto município que tem o compromisso de promover a igualdade racial. Inspiramo-nos em Zumbi dos Palmares para levar adiante essa luta que é de todos.
Contamos com o seu inestimável apoio e da ACIL, da qual o senhor é representante, para que consigamos, efetivamente, fazer do município um espaço em que a equidade, a diversidade e o respeito a todas as culturas sejam expedientes indispensáveis para convivência plural.
Viva Zumbi e parabéns a Londrina, que avança, com a instituição do feriado do Dia Nacional da Consciência Negra, mais um passo no reconhecimento de sua própria história!
Profa. Dra. Rosane da Silva Borges
Coordenadora do NEAA/UEL